O Carnaval brasileiro vai acontecer em clima de Big Brother, o todo-poderoso sistema que vigiava a sociedade no clássico 1984, de George Orwell (dessa obra veio também a inspiração para batizar o popular reality show). A maior festa popular do país será um grande laboratório para a utilização de uma das mais avançadas e controversas ferramentas tecnológicas usadas hoje na segurança pública por aqui e pelo mundo: o reconhecimento facial.
Esse sistema compara fotos de procurados da Justiça armazenadas em seu banco de dados com imagens fornecidas por câmeras inteligentes instaladas em locais públicos. Quando há um porcentual alto de coincidência entre dois rostos, soa o alarme para a polícia ir a campo abordar o possível fugitivo. Sistemas desse tipo estarão em operação em Salvador e São Paulo. Juntas, as capitais reúnem em suas ruas no período momesco mais de 10 milhões de foliões. No total, 106 câmeras inteligentes estarão posicionadas em busca de cerca de 40 000 pessoas com ordens de prisão decretadas por vários tipos de delito, em meio à aglomeração de fantasiados.
A capital baiana fez um projeto piloto no ano passado, com dezesseis câmeras. Em 2020, o número vai saltar para 86. Os equipamentos serão distribuídos pelas vias de acesso aos blocos e pontos turísticos. “Às vezes, tem um assassino ou um traficante passando do seu lado e você nem sabe”, afirma o coronel Marcos Oliveira, superintendente de gestão tecnológica da Secretaria de Segurança Pública da Bahia. São Paulo colocará em campo vinte câmeras, tendo na retaguarda o mais extenso banco de dados do país, com informações de mais de 30 000 foragidos e 10 000 desaparecidos. Belo Horizonte, Fortaleza, Florianópolis e Brasília também realizarão testes no Carnaval, mas em uma escala menor.
Em questão de segundos, o sistema é capaz de escanear o rosto de milhares de pessoas para criar uma espécie de digital facial, transformando em algoritmos as principais características dessa parte do corpo, como a distância entre os olhos, a linha das mandíbulas, o tamanho da boca e cicatrizes. Cada câmera é alimentada com uma “blacklist”, um banco de dados de foragidos da Justiça ou desaparecidos. Quando há uma compatibilidade de pelo menos 90% entre os dados comparados, o sistema emite um alerta para a central policial, que, por sua vez, aciona a equipe de campo para fazer a abordagem.
Na Bahia, ocorreram ao todo 134 prisões por meio do sistema desde o Carnaval do ano passado. O “Zero Um” foi o folião Marcos Vinicius de Jesus Neri, de 19 anos, procurado por homicídio havia doze meses. Fantasiado de melindrosa de cabaré, com direito a peruca e luvas roxas, além de uma metralhadora de água, ele estava prestes a entrar no tradicional bloco As Muquiranas quando a câmera o flagrou entre as 500 000 identificações feitas diariamente pelo sistema. Logo em seguida, agentes da PM apareceram para acabar com a festa de Neri, que continua preso até hoje. Em abril de 2019, na famosa Micareta de Feira de Santana, 33 pessoas que estavam farreando livres, leves e soltas acabaram detidas com a ajuda do equipamento.
Com Veja