Crise de Tania Bulhões ilustra os problemas da era das cópias, que se expande na internet

Foto: reprodução
Quem paga R$ 200 em uma peça da marca mineira Tania Bulhões, famosa no ramo de decoração, louças e perfumaria, busca comprar mais do que uma louça. Essa é a raiz da crise de imagem enfrentada pela empresa há algumas semanas, com forte repercussão no TikTok.
Exclusividade, status e prestígio foram alguns dos atributos atacados nas redes sociais na “crise da xícara”, que surgiu depois que uma brasileira viu uma peça idêntica à da marca em um café popular na Tailândia.
O vídeo postado no TikTok desencadeou uma sequência de questionamentos quanto à real exclusividade do que a marca desenha. Até a terceirização da produção, processo comum em vários segmentos, passou a ser vista como um sinal de má-fé da empresa.
A crise de imagem ainda foi potencializada pela demora na reação da marca, que notificou a autora do vídeo a retirar o conteúdo e só começou a responder às acusações quase 20 dias depois, tempo suficiente para clientes se filmarem raspando o fundo de peças (onde descobriam que a fabricação era turca) e, em um segundo momento, compartilharem links e vídeos de coleções similares ou idênticas em sites de marketplace com Aliexpress e Amazon.
“A gente está vivendo a era dos dupes, que são as imitações, e de muita falsificação. Nada impede que essas plataformas [de marketplace] estejam criando e colocando à venda produtos agora, depois da polêmica, criando coleções em cima disso. Viralizou e isso vende”, diz Cecília Rapassi, sócia-diretora da Gouvêa Fashion Business.
A própria Tania Bulhões é alvo de um outro “dupe” -como as redes chamam produtos muito parecidos, mas com grande diferença de preço- viral, o aromatizador de ambientes de chá branco. Enquanto um difusor da marca mineira custa R$ 370 por 290 ml, o similar divulgado no TikTok não chega a R$ 20 por 100 ml.
Esse tipo de conteúdo tem crescido e chega a quase todo tipo de produto: perfumes importados, peças de marcas de luxo, bolsas, maquiagens, vivendo na linha tênue entre a inspiração e a cópia. Entidades de diversos setores vivem em guerra com marketplaces, a que acusam de conivência na venda de falsificações.
“Fica cada vez mais difícil [o controle]. Você cria um produto e ele pode ser copiado em minutos a partir da imagem que você postou nas redes sociais”, diz Cecília.
Se um consumidor digitar hoje o nome da marca e algum grande marketplace em atividade no Brasil, vai encontrar anúncios que não fazem menção à Tania Bulhões, mas vendem produtos aparentemente iguais aos da empresa.
A marca mineira afirma que seus produtos são frequentemente copiados e reproduzidos sem autorização. No caso da xícara vista na Tailândia, porém, a empresa diz ter havido a venda não autorizada de peças descartadas pelo controle de qualidade.
Esse vazamento teria partido de um dos fornecedores terceirizados pela marca. Um produz a porcelana branca e outro aplica a decoração.
“A terceirização parcial ou total é prática comum”, afirma Cecília Rapassi. O uso da expertise de outras empresas ajuda na redução de custos e no ganho de escala.
“Quando se trata do universo de luxo, o valor de um produto vai muito além do material ou do processo produtivo”, diz. “Ele é construído principalmente por atributos intangíveis como status, prestígio, herança cultural e o poder do sonho.”
A coleção que disparou a crise de imagem foi a Marquesa e, apesar de alguns conteúdos sugerirem que a coleção copiada é nova, a marca divulgou materiais indicando que os desenhos estão em seu portfólio há 20 anos.
“À medida que crescemos, percebemos que, especialmente com coleções antigas, poderíamos ter tido um controle mais rigoroso sobre nossa propriedade intelectual”, diz a empresa, em nota.
O advogado Rodrigo Leal, do Prado Vidigal Advogados, diz que o design de louças e os desenhos colocados nelas podem ser protegidos por direitos autorais desde que sejam originais. Para aumentar a segurança, diz o especialista em propriedade intelectual, é necessário fiscalizar fabricantes e fornecedores.
Além da coleção Marquesa, as linhas Mediterrâneo, Entre Rios e Lírio foram descontinuadas e serão vendidas enquanto houver estoque.
O maior controle da propriedade intelectual passa, segundo a marca, pela fabricação própria. Há dois anos, a Tania Bulhões virou controladora da Royal Limoges, fabricante francesa de porcelana. Em 2023, a empresa deu início à construção de uma fábrica em Uberaba (MG), obra à época avaliada em R$ 20 milhões.
A marca também ofereceu aos clientes a possibilidade de troca ou mesmo de devolução das peças.
Na corrida para gerir o estrago, a marca compartilhou em seu Instagram vídeos da produção na fábrica francesa, detalhes da aplicação dos desenhos e relatos do processo produtivo. As publicações mais recentes do perfil da marca são todas da coleção Árvores, que é produzida em Limoges.
“O grande aprendizado dessa situação é que a gestão de crise pode afetar pequenos, médio e gigantes da mesma forma com o advento da hiperconexão. As empresas têm que treinar suas equipes”, diz Cecília, para quem esse preparo passa pelo marketing, assessoria de imprensa e equipes de venda.
Essa não é a primeira vez que a empresa sofre uma crise de imagem. Em 2010, a empresária foi condenada pela Justiça de São Paulo a prestar serviços comunitários por quatro anos após ter confessado fraudes na importação de artigos de luxo. Na época, a companhia disse que recebeu “com serenidade e responsabilidade a sentença” e que mostrou sempre mostrou disposição “de esclarecer e resolver a questão o mais rapidamente possível”.
Paraíba Master com informações do Portal Gazeta