9 de novembro de 2025
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Programa Nacional de Alimentação Escolar: referência mundial que enfrenta desafios cotidianos

 Programa Nacional de Alimentação Escolar: referência mundial que enfrenta desafios cotidianos

Foto: Divulgação

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O Brasil, conhecido por sua modéstia ao falar de si, recebe reconhecimento internacional pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Daniel Balaban, diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU no país, destaca que, apesar da discrição brasileira, o Pnae é considerado um dos maiores e mais eficientes projetos de alimentação escolar do mundo.

Com 70 anos de existência, o programa ganhou um novo impulso em 2009, ano em que uma lei estabeleceu critérios rigorosos para as refeições servidas nas escolas públicas, substituindo alimentos ultraprocessados, como biscoitos açucarados, por refeições balanceadas e nutritivas.

Foi também em 2009 que Fernando Luiz Venâncio, então metalúrgico, mudou de profissão ao assumir a cozinha da Escola Johnson, em Fortaleza (CE), uma instituição de ensino médio em tempo integral que atende mais de 400 alunos. Hoje, Fernando coordena a equipe responsável pelas três refeições diárias oferecidas aos estudantes. Entre os pratos servidos estão o baião de dois, carne picadinha, farofa de ovo e o tradicional creme de galinha — receita que ele não abre mão, feita sem ingredientes industrializados como creme de leite ou queijo.

A definição do cardápio não fica a cargo de Fernando, mas sim da nutricionista da escola, conforme exigência da legislação de 2009, que transformou a merenda escolar em uma verdadeira refeição. Além de atender às necessidades nutricionais dos estudantes, o cardápio deve refletir a cultura local, privilegiar alimentos produzidos na própria escola, limitar os ultraprocessados a no máximo 15% e garantir que ao menos 30% dos insumos sejam provenientes da agricultura familiar.

No campo, produtores como Marli Oliveira, de Ocara (CE), sentem o impacto positivo do programa. Com 6,5 hectares, Marli cria galinhas caipiras, porcos e ovinos, e vende para o Pnae cerca de 30% da produção de mel, ovos e carnes. Para ela, a comercialização com as escolas é vital, especialmente em municípios pequenos onde a agricultura é a principal fonte de renda.

Pesquisa do Observatório da Alimentação Escolar revela que cada real investido pelo programa na agricultura e pecuária familiar gera um retorno de R$ 1,52 e R$ 1,66, respectivamente, para o PIB nacional. A partir de 2026, essa participação poderá subir para 45%, com uma proposta aprovada pelo Congresso Nacional que aguarda sanção presidencial. Luzia Márcia, assentada da reforma agrária e produtora de castanha de caju em Chorozinho (CE), aguarda ansiosa a chance de integrar o programa, destacando a importância do Pnae para escoar a produção agrícola.

O alcance do Pnae ultrapassa fronteiras. No mês passado, o Brasil sediou a 2ª Cúpula da Coalizão Global pela Alimentação Escolar, evento que reuniu representantes de mais de 90 países comprometidos com a alimentação de qualidade para mais de 700 milhões de estudantes até 2030. Durante a cúpula, a ministra da Educação de São Tomé e Príncipe, Isabel Abreu, relatou a parceria com o Brasil, que auxiliou na formação online de nutricionistas locais e no aprimoramento das refeições escolares, sempre valorizando ingredientes locais.

No Brasil, o programa atende diariamente cerca de 40 milhões de estudantes, da creche ao ensino para jovens e adultos (EJA). Segundo Balaban, o Pnae foi fundamental para tirar o país do Mapa da Fome da ONU, uma vez que, para muitos alunos, a refeição escolar é a principal do dia.

Apesar dos avanços, o programa enfrenta dificuldades. O orçamento de 2025 foi de R$ 5,5 bilhões, com valores diários que variam de R$ 0,41 para alunos do EJA até R$ 1,37 para creches e ensino integral. O financiamento federal é complementado por estados e municípios, mas em mais de 30% dos municípios das regiões Norte e Nordeste, essa complementação não ocorre, segundo o Observatório da Alimentação Escolar.

Além disso, quase metade dos nutricionistas entrevistados pelo OAE relatam dificuldades em cumprir as normas do programa, citando falta de infraestrutura, resistência das famílias e profissionais da educação, alta inflação dos alimentos e escassez de cozinheiros e nutricionistas.

Para Albaneide Peixinho, presidente da Associação Brasileira de Nutrição, esses problemas refletem uma visão equivocada dos gestores públicos, que ainda veem o Pnae como uma simples “merenda” ou programa assistencialista, e não como uma ação pedagógica voltada para a promoção da saúde e formação de hábitos alimentares saudáveis. Albaneide, que coordenou o Pnae por 13 anos e participou da elaboração da lei de 2009, acredita que, apesar de ser uma referência mundial e estar garantido na Constituição, o programa ainda tem muito a evoluir.

Por Paraíba Master

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