Corte Interamericana de Direitos Humanos responsabiliza Brasil por sumiço de trabalhador rural da Paraíba

Foto: Ilustração
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou o Estado brasileiro responsável, em âmbito internacional, pelo desaparecimento forçado de Almir Muniz da Silva, trabalhador rural e defensor dos direitos dos trabalhadores na Paraíba. O anúncio foi feito nessa terça-feira (11). Muniz da Silva atuava na luta pelo direito à terra, ao território e ao meio ambiente, além de denunciar milícias rurais e a violência no campo antes de desaparecer em 2002.
A decisão da Corte destacou diversas falhas na proteção à vida de Muniz da Silva, na condução das investigações e na busca pela vítima. O tribunal condenou o Brasil por deficiências na apuração do caso, assim como por violações aos direitos à verdade, à integridade pessoal, à proteção familiar e aos direitos da infância.
Além disso, a Corte reconheceu o impacto profundo do desaparecimento forçado sobre os familiares da vítima, que enfrentaram anos de incerteza, sofrimento psicológico e dificuldades socioeconômicas.
O caso, apresentado pela Comissão Pastoral da Terra, Dignitatis e Justiça Global, foi admitido pela Comissão Interamericana em 2016, chegou à Corte em 2022 e teve audiência realizada em 9 de fevereiro de 2024, em São José da Costa Rica.
Falta de proteção a defensores de direitos humanos
A Corte IDH também responsabilizou o Brasil por não garantir um ambiente seguro para defensores de direitos humanos que atuam em questões ambientais e agrárias, o que exigiria medidas de proteção específicas.
O Tribunal já havia condenado o país, em outro caso, pelo assassinato do advogado Gabriel Salles Pimenta, em Marabá (PA), em 2009, determinando a criação de uma política pública para proteção desses profissionais. Como resultado, foi formado o Grupo de Trabalho Técnico que leva seu nome, do qual a Justiça Global faz parte.
Em novembro, o grupo entregou ao governo federal uma proposta de Plano Nacional de Proteção e um anteprojeto de lei sobre a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. A nova decisão da Corte acrescenta aprimoramentos à proteção desses grupos, incluindo:
- Criação e fortalecimento de unidades especializadas em áreas de alto risco, como regiões rurais e a Amazônia, garantindo equipes treinadas e infraestrutura adequada para respostas rápidas.
- Implementação de estratégias de proteção coletiva para comunidades rurais, indígenas e quilombolas, considerando os riscos específicos que enfrentam.
- Desenvolvimento de protocolos de resposta imediata para defensores sob ameaça, incluindo abrigos temporários, mecanismos de proteção como o estatuto de testemunha protegida e tecnologias para alertas emergenciais.
- Ampliação do orçamento e dos recursos necessários para o programa de proteção, especialmente para territórios isolados.
- Melhoria da coordenação entre instituições federais e estaduais para fortalecer a proteção desses profissionais.
Desaparecimento forçado e impunidade no Brasil
A Corte ressaltou que a ausência da tipificação do crime de desaparecimento forçado na legislação brasileira agrava a impunidade nesses casos. Esse ponto já havia sido abordado em outra decisão, de dezembro do ano passado, quando o Brasil foi condenado pelo desaparecimento forçado de 11 jovens da favela de Acari, no Rio de Janeiro, em 1990 – episódio que levou à criação do movimento Mães de Acari.
Medidas de reparação determinadas pela Corte IDH
A decisão da Corte estabeleceu uma série de medidas que o Brasil deve cumprir para reparar o caso de Almir Muniz da Silva, incluindo:
- Continuação das investigações e adoção de medidas imediatas para localizar seu paradeiro.
- Realização de um ato público de reconhecimento da responsabilidade do Estado e pedido de desculpas à família.
- Inclusão do crime de desaparecimento forçado na legislação brasileira.
- Criação e implementação de um protocolo para busca de desaparecidos e investigação desses casos.
- Revisão e fortalecimento do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos nos níveis federal e estadual.
- Elaboração de um diagnóstico sobre a situação de defensores de direitos humanos no contexto dos conflitos agrários.
O caso Almir Muniz da Silva
Almir Muniz da Silva, de 40 anos, era trabalhador rural, líder comunitário e diretor da associação dos trabalhadores rurais da terra comunitária de Itabaiana, Paraíba. Casado e pai de três filhos, ele desapareceu após denunciar a atuação de milícias rurais e a violência no campo.
No dia 9 de maio de 2001, pouco mais de um ano antes de seu desaparecimento, Muniz da Silva prestou depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Paraíba sobre a violência no campo e a formação de grupos paramilitares. Durante seu testemunho, denunciou a participação de policiais em atos de violência contra trabalhadores rurais. Em 23 de dezembro de 2000, ele já havia sido ameaçado de morte por um dos policiais denunciados.
Somente em 2008, a delegada responsável pelo caso concluiu que havia fortes indícios de crime e do envolvimento do policial apontado por Muniz da Silva, mas alegou falta de provas para responsabilizá-lo.
A CPI do Extermínio no Nordeste, realizada em 2005, também identificou o policial como suspeito de crimes na região e recomendou investigações sobre sua atuação criminosa, além da apuração de possível prevaricação do delegado inicialmente responsável pelo caso. Apesar disso, em abril de 2009, o caso foi arquivado, e a família de Muniz da Silva permaneceu sem respostas.
Paraíba Master com informações do ParlamentoPB