10 de outubro de 2025
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Estudo relaciona consumo de álcool ao aumento de suicídios e reforça urgência de políticas públicas no Brasil

 Estudo relaciona consumo de álcool ao aumento de suicídios e reforça urgência de políticas públicas no Brasil

Foto: Divulgação

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Um levantamento realizado por pesquisadores canadenses e publicado pela Associação Médica Americana aponta uma relação direta entre o consumo de álcool e o aumento nas taxas de suicídio ao nível global. A análise, que revisou dados de 13 estudos anteriores abrangendo 101 países, revelou que, para cada litro a mais no consumo médio de álcool per capita, há um aumento de 3,59% nas mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes.

Os resultados reforçam alerta de especialistas durante a campanha Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio. Para eles, é fundamental ampliar o acolhimento de pessoas em sofrimento psíquico, estimular estratégias de redução de danos e fortalecer políticas públicas que desencorajem o consumo excessivo de álcool.

A psiquiatra Alessandra Diehl, da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, destaca que o álcool atua muitas vezes como um gatilho, mesmo entre pessoas que não apresentam histórico de dependência. Durante seu mestrado, Diehl entrevistou pacientes internados após tentativas de suicídio e descobriu que 21% haviam ingerido bebidas alcoólicas antes do episódio. “Mesmo entre não dependentes, o álcool foi um fator significativo”, relata.

Rio de Janeiro (RJ), 29/09/2025 – Matéria álcool e suicídio - Personagem Alessandra Diehl.
Foto: Estúdio Seu Espaço/Divulgação

Já a psiquiatra Miriam Gorender, diretora da Associação Brasileira de Psiquiatria, ressalta os danos neurológicos provocados pelo uso contínuo da substância: “O álcool é um depressor do sistema nervoso central. Ele altera o funcionamento cerebral e pode desencadear ou agravar quadros de depressão. Muitas pessoas só percebem isso quando o impacto já é severo”.

Rio de Janeiro (RJ), 29/09/2025 – Matéria alcool e suicidio - Pesonagem Miriam Gorender. 
Foto: Rebeca Gorender Magalhães/Divulgação

O peso do álcool na saúde mental

Histórias como a de Luciana* e Gabriela* ilustram como o álcool, embora socialmente aceito, pode se tornar um agravante silencioso na vida de quem enfrenta transtornos mentais. Diagnosticada com TDAH ainda na infância, Luciana recorreu ao álcool por anos como forma de lidar com a ansiedade e a hiperatividade. Foi apenas na maternidade, ao perceber um padrão de abuso, que ela buscou tratamento. “Beber aliviava na hora, mas depois vinha a ansiedade, a queda de serotonina e pensamentos suicidas. Hoje, com a medicação certa e terapia, isso desapareceu”, relata.

Gabriela, por sua vez, só identificou a relação entre o álcool e o agravamento dos seus sintomas ao reduzir o consumo por influência de um parceiro. A nova fase levou a um diagnóstico de transtorno bipolar tipo 2. “Percebi que não era só o comportamento de risco. Era a ressaca emocional, a angústia no dia seguinte. O álcool não era diversão: era um gatilho”, afirma. Hoje, ela opta pela abstinência. “Entendi que não preciso beber para ser feliz ou para estar com quem eu gosto.”

Impacto social e cultural

A presença do álcool em festas, reuniões sociais e até em momentos de lazer solitário representa um desafio adicional. Adriana*, por exemplo, relata que passou a consumir quantidades em abudância de vinho diariamente após se mudar para uma região rural fora do Brasil, onde a bebida era parte do convívio social. Durante a pandemia, seu consumo chegou a três garrafas por noite. “Mesmo sem fazer nada de errado, me sentia culpada, triste, com uma depressão profunda no dia seguinte”, lembra.

Ela alterna momentos de abstinência com consumo ocasional, mas enfatiza a consciência adquirida: “Antes de beber, penso se quero sentir tudo aquilo de novo. Geralmente, a resposta é não.”

A psicóloga Maria Carolina Roseiro, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), afirma que o contexto social torna o álcool quase inevitável e dificulta o acesso a informações e apoio. “Vivemos em uma cultura permissiva com o álcool, mas ao mesmo tempo moralista, que julga quem busca ajuda. Isso afasta as pessoas dos serviços de saúde”, pontua.

Redução de danos como estratégia viável

Para o CFP, a redução de danos é uma abordagem mais realista e eficaz do que a imposição da abstinência imediata. “Nem todos que enfrentam problemas com o álcool se sentem prontos para parar. Muitos nem reconhecem que há um problema. A intervenção precisa considerar o contexto social, familiar e pessoal de cada um”, afirma Roseiro.

Essa abordagem propõe avaliar o papel do álcool na rotina e no ambiente da pessoa, oferecendo alternativas e acompanhamento, mesmo que ela opte por continuar consumindo — desde que de forma mais consciente e menos prejudicial.

Cenário preocupante no Brasil

Segundo dados do Sistema Vigitel, do Ministério da Saúde, mais de 20% dos adultos brasileiros fizeram uso abusivo de álcool em 2023. A média de consumo no país é de 7,7 litros por pessoa ao ano — superior à média mundial de 5,5 litros, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A meta brasileira é reduzir esse índice para 17% até 2030, um desafio que exige medidas mais rigorosas.

“Temos uma indústria do álcool poderosa, que interfere nas decisões políticas”, afirma Alessandra Diehl. Ela critica a publicidade de cervejas na TV, apesar da proibição da propaganda de destilados. “Parece que cerveja nem é bebida alcoólica”, ironiza.

A psiquiatra Miriam Gorender aponta a experiência da Rússia como exemplo. O país conseguiu reduzir significativamente o consumo de álcool e as taxas de suicídio ao aplicar aumento de impostos e restringir propagandas. “Quando as medidas cessaram, os números voltaram a subir”, alerta.

Adolescentes no alvo da prevenção

Outro ponto crítico está no acesso precoce ao álcool entre adolescentes, mesmo com proibição legal. “No Brasil, temos a lei, mas não conseguimos fazê-la ser cumprida. O adolescente compra bebida com muita facilidade”, denuncia Diehl. Ela lembra que o cérebro em desenvolvimento é especialmente vulnerável aos efeitos do álcool, podendo comprometer funções cognitivas e emocionais por toda a vida.

Onde buscar ajuda

Pessoas que estejam enfrentando sofrimento emocional ou queiram apoio para lidar com o consumo de álcool podem recorrer aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e às Unidades Básicas de Saúde. Em situações graves, os hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) estão disponíveis, além do SAMU, pelo telefone 192.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) também oferece apoio emocional gratuito e sigiloso pelo telefone 188 e pelo site cvv.org.br.

*Os nomes marcados com asterisco foram alterados para preservar a identidade das entrevistadas.

Por Paraíba Master

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